Relacionar-me e me atrair por homens faz parte da minha sexualidade e não deve ser um problema.

Lua Mota
4 min readJan 22, 2021
PARADA LGBT DE SÃO PAULO. FOTO: PAULO PINTO/FOTOSPUBLICAS

Deveria ser óbvio essa afirmação saindo de pessoas cujo sexualidade abrange homens, não é mesmo!? Então, deveria. Mas infelizmente uma das coisas que pessoas monodissidentes mais escutam é: “se você tem a opção de ficar com mulheres por que fica com homens?” e esse discurso veem de todas as partes da comunidade, sem importar sexualidade, até mesmo de quem está dentro de sexualidades monodissidentes, o que é extremamente nocivo, cruel e preconceituoso.

Nós, pessoas LGBTQPIA+ sempre discutimos a solidão que enfrentamos ao longo da vida — por conta de inúmeros estigmas e preconceitos que cercam nossa comunidade. Gostaria que refletissem sobre por quê esse pensamento é errado, preconceituoso e sem sentido — já que se atrair e relacionar-se com homens faz parte das características de muitas sexualidades — , a partir das considerações de homens presentes na comunidade e estudos/pesquisas levantadas por Universidades, Associações, Organizações e outras Instituições, tais como:

— “Correlates of loneliness in older gay and bisexual men” do Journal of Gay & Lesbian Social Services (que pode ser traduzido livremente como “Relatos da solidão na velhice por homens gays e bissexuais”);

— O Portal de Prevenção a solidão da Nova Zelândia, trazendo a pesquisa sobre a “Solidão do Arco-íris” no Rainbow and lonely;

— Bisexual and Pansexual Identities: Exploring and Challenging Invisibility and Invalidation (Identidades bissexuais e pansexuais: explorando e desafiando a invisibilidade e a invalidação) por Nikki Hayfield da Universidade do Oeste da Inglaterra, Bristol;

Bisexual adults are far less likely than gay men and lesbians to be ‘out’ to the people in their lives (Adultos bissexuais têm muito menos probabilidade do que gays e lésbicas de “saírem do armário” para as pessoas em suas vidas) da Universidade de Stanford, no Reino Unido;

Esses e inúmeros outros estudos, que não caberiam aqui, apenas refletem/mostram como nós, infelizmente, temos uma enorme tendência a sermos solitários. Quando estes são separados, parte mostra uma solidão extremamente significativa de pessoas monodissidentes , e mais ainda de homens monodissidentes. Dentre os diversos estigmas e preconceitos que rondam a monodissidência, podemos citar alguns como: Promiscuidade, Infidelidade, a “incapacidade de se manter em um relacionamento fechado e com uma única pessoa”... Junto disso ainda temos inseguranças como: “ser trocade”, “abandonade”, “não ser suficiente” — já que existe uma concepção que pessoas monodissidentes, por se relacionarem com pessoas independentemente de gênero, não se sentem “saciadas” facilmente — , dentre outras afirmações um tanto absurdas…

Vemos também muitos: “homens são todos iguais”, “se tenho a opção de ficar com mulheres por que vou ficar com homens?”, “que tristeza gostar de homens”, “infelizmente gosto de homens”... Parte disso surgiu de memes/“piadas”, (que acabam refletindo em outros incontáveis problemas que pessoas enfrentam mas não são o foco do texto), mas acabaram se tornando realidade de pessoas, que realmente optam por não ter relações com homens, justamente por pensamentos citados acima. Parando para analisar, de um ponto de vista monodissidente, todas essas colocações não passam de superstições criadas pelo imaginário “auto-sabotador” das pessoas, situações isoladas com outras, consenso ignorante de muitas e o preconceito enraizado em cima de sexualidades monodissidentes. Nada disso se diz respeito a características da sexualidade de alguém e sim, ao caráter e índole da pessoa.

“Se você tem a opção de ficar com mulheres por que fica com homens?”

Porque faz parte da minha sexualidade. Simples. Não é difícil de entender. Existem sexualidades que tem como característica a atração por homens. E isso não é e nem deve ser um problema. Se formos analisar do ponto de vista técnico, temos a opção, no sentido “eu escolho com quem quero me relacionar”. Mas não escolho por quem me atraio. Atração faz parte do nosso ser individual, seja qual for (sexual, romântica, estética, intelectual…) e não dar para nega-la. Eu posso negar a relação, mas não tem como negar/ignorar a atração. E realmente não é difícil de entender.

Pessoas que replicam esse tipo estigma em cima de outras que são monodissidentes estão sendo panfóbicas, bifóbicas, polifóbicas…, então antes de sair “participando” de “piadas”, analise um pouco a realidade daquilo “Quantas pessoas monodissidentes já não sofreram com esse tipo de comentário?”, “Será que estou sendo ignorante e replicando ódio?”, “Isso faz parte da minha sexualidade, por que estou negando a mim mesmo minhas atrações”, “Por que isso é engraçado? É realmente engraçado?”. O exercício de empatia e reflexão deveria fazer parte da nossa educação, ainda mais dentro uma comunidade que precisa tanto se unir.

Não negue sua monodissidência.

Nesse contexto, não negue sua sexualidade. A luta da monodissidencia é revolucionária nesta sociedade heteronormativa, cisnomartiva…revolucionária por trazer inúmeras questões quando só se discutia sobre monossexualidade, e todas as pessoas monodissentes fazem parte dessa revolução. Negar sua sexualidade contribuí com o retrocesso dessa luta, com um sistema que é forçado a nós desde o nosso nascimento. Por isso, sim, relacionar-me e me atrair por homens faz parte da minha sexualidade e não é e nem deve ser um problema.

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Lua Mota

Ativista Pansexual e demissexual, ilustradora, quadrinista e designer. Pessoa não-binária. https://linktr.ee/LuaMota