Sexualidades de tumblr, twitter e outras rede-sociais

Lua Mota
5 min readFeb 8, 2021
Foto: Lua Mota.

Já perdi as contas de quantas vezes tive minha sexualidade invalidada com o “argumento” de ser uma “sexualidade de tumblr” e/ou uma “coisa de adolescente”. E não é só a pansexualidade que passa por isso. Inúmeras sexualidades e identidades de gêneros são invalidadas diariamente com as mesmas afirmações.

Diante dessas argumentações gostaria de questionar: Qual idade é necessário ter para se assumir? para se descobrir, para começar a discutir sexualidade, a entender a mesma… Sinceramente não vejo fundamentação no “coisa de adolescente” e “invenção de criança em rede social”, ainda mais quando existem crianças trans e muitos LGBTQPIA+ que se descobriram “diferentes” ou demostraram atrações ainda crianças… Enfim, para entender da onde vem esse discurso, precisamos voltar para quando a internet começou a ser disseminada (se tornar mais acessível) à grande parte do público e as chamadas “redes sociais” começaram a surgir.

Parecia ser de outra realidade e/ou uma utopia distante a possibilidade de se conectar com pessoas do mundo inteiro através de uma tela, digitando algumas palavras em tempo real e mais inacreditável ainda encontrar pessoas que compartilhavam dos mesmos gostos, ideais e ideologias que você. As redes sociais possibilitaram tal façanha e assim através de softwares ou paginas on-line podíamos (ainda podemos) criar uma conta com nossos dados e conversar com pessoas em outras regiões, estados, cidades, países… Sendo assim muito mais simples discutir sobre temas e pautas de interesse/importância também.

Em meados do século XX (1950–60) encontros de pessoas da comunidade LGTQPIA+, eram feitos presencialmente, em locais escondidos e/ou reservados, bares, clubes específicos para o grupo — como o Stonewall In — onde era possível se expressar com mais facilidade, discutir sobre sexualidade, gênero, ideologias e afins já que em grande parte dos territórios ser diferente do heterocisnormativo era crime e/ou doença. Nesses encontros existiam pessoas de diferentes idades, grande parte jovens. E sempre estiveram presentes nas discussões, gêneros fora do cis e sexualidades além das monossexuais.

Por isso não é algo novo ou inventado por “adolescentes de redes-sociais”. A bissexualidade, por exemplo, aparece em grande momentos da história desde os gregos e romanos antigos até espartanos, obviamente não com os princípios e ideologias que temos/defendemos hoje porém estava presente — começando a ser discutida como entendemos e definimos atualmente no fim do século XIX, inicio do século XX e ganhando mais força, como parte de um grupo, na década de 70/80. A pansexualidade era discutida/questionada, desde o inicio do século XX, sendo resignificada a partir da década de 80/90. A assexualidade também tem suas primeiras citações em documentos no final do século XIX e ínicio do século XX, começando a ser fundamentada como conhecemos nos anos 90. Entre outras.

E assim conseguimos listar diversas sexualidades que estão sendo discutidas a muitos anos, porem são citadas como “invenção”, “coisa de adolescente”, “sexualidade de tumblr/twitter”, “algo novo”, enfim. O que incomoda muito nesses discursos são as invalidações e “censuras” que pessoas dentro e fora da comunidade tentam fazer com jovens discutindo sexualidade e gênero. E faz questionar como a comunidade lida com o “diferente de si mesmo,” negando -o — acabando por ser extremamente semelhante a todos os hetero/cis presente na sociedade que praticam LGBTQfobia.

Na época de Stonewall Inn, era necessário esses pontos específicos para conseguir debater e entender o que estava acontecendo conosco, ser nós mesmo, nos portar como queríamos, discutir nossos princípios… Hoje com as redes-sociais, esses pontos se ampliaram absurdamente possibilitando que sejam até mesmo internacionais e tornaram extremamente acessíveis as pautas e discussões, facilitando o processo de descoberta principalmente para quem busca informação. Isso trás uma riqueza gigantesca a comunidade já que é possível compartilhar e entender diferentes vivencias de uma mesma sexualidade. E sem dúvidas, a conquista mais importante é essa disseminação do entendimento/conhecimento sobre as sexualidades/gêneros. Isso não deveria ser um empecilho ou problema para comunidade a ponto de invalidar sexualidades e gêneros alheios afim de diminuir os mesmos por conta da “idade” que algumas pessoas que os discute têm.

Pansexualidade, sexualidade de tumblr.

Como disse, já perdi as contas de quantas vezes ouvi (e ainda ouço) pessoas resumindo a pansexualidade (e outras sexualidades) à “sexualidade de tumblr”, mas por que?

Entre 2009 e 2010, o tumblr, uma rede social que te permite criar mini blogs, de maneira totalmente personalizada, compartilhamento de posts e curtidas etc., estava em alta. A maioria das pessoas que acessavam a internet nesta época utilizava o tumblr de diversas formas, principalmente os jovens. Como ele permitia total personalização e criação de linhas de discussão, pessoas de diversas sexualidades, começaram à usar a rede social como ponto de encontro e facilitador para passar informações. Era muito comum encontrar blogs voltados para sexualidades especificas trazendo manifestos, promovendo “concurso” para criação de bandeiras, discussões sobre significados/resignificados e por ai vai. Alguns desses blogs estão ativos até hoje e outros infelizmente caíram ou foram excluídos.

Em 2010, a pansexualidade ganhou muita força e visibilidade na internet após a criação/aparição da bandeira, apropriação da mesma e desenvolvimento de blogs voltados a sexualidade, como The Pan Community e Pan Pride . Essa força resultou em reconhecimento e uso mundial da bandeira. Após esse episodio por razão de muitos jovens usarem a rede para falar da sexualidade e pela popularidade que os blogs tiveram, muitas pessoas começaram a se refereir a mesma como “a sexualidade de tumblr”, “coisa de adolescente de tumblr”. E mesmo 10/11 anos depois ainda usam dos mesmos argumentos afim de invalidar e deslegitimar a pansexualidade.

E o twitter e outras redes sociais?

O mesmo que acontece com a pansexualidade desde a explosão de popularidade no tumblr, vem acontecendo com outros grupos e identidade de gênero em redes sociais mais ativas como twitter, tik tok, reddit entre outras. O que de novo faz questionar por quê causa tanto incomodo para as pessoas. Descobertas começam com discussões sobre o tema. Obviamente precisamos avaliar para que essas discussões não sejas nocivas e/ou invalidem sexualidades e identidades de gênero já conhecidas/existentes, porém é preciso entender que tudo começa com discussões e questionamento. Quando um grupo de pessoas que une muitos indivíduos refletindo sobre os mesmo ideais/princípios, é necessário analisar.

Feito por: iluhanos | Creditos: Getty Images/iStockphoto

Dentre essas discussões acima, precisamos saber evitar e rebater essas afirmações que buscam diminuir nossa sexualidade e identidade de gênero. Questione quem busca nos invisibilizar e enfrentem para que essas injurias não sejam replicadas por pessoas que realmente não entendem sobre determinado assunto. As pessoas preconceituosas costumam agir com ignorância a respeito de assuntos que não dominam e/ou não vivenciam, por isso quando questionadas/enfrentadas tendem a ter seus discursos por terra. Não se calem diante de preconceituosos do tipo.

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Lua Mota

Ativista Pansexual e demissexual, ilustradora, quadrinista e designer. Pessoa não-binária. https://linktr.ee/LuaMota